Um guerreiro a se encantar, ou nota sobre como a luta contra o racismo nunca cessa

Nossa ancestralidade afro-brasileira, de forma mais específica representada por sua raiz angoleira e pelos ensinamentos aprendidos junto ao povo indígena, tem uma compreensão que se aplica aos grandes seres humanos: eles não morrem. Se encantam. Ao se encantar, tal qual nossas divindades, ecoam para sempre os valores, a importância e a luta coletiva de todo o povo que representam.

Esses grandes humanos, cabe dizer, já ecoam, representam e lutam no decorrer de suas vidas. Ensinam pelo exemplo e mostram, pela persistência e resistência com que se mantêm de pé face às maiores adversidades, que o povo todo deve seguir unido e firme. É assim na luta por Direitos Civis, em que ícones negros como Martin Luther King Jr. representam todo o povo de um planeta inteiro; é assim na luta pela importância das mulheres negras afro-latino-americanas, em que Lélia Gonzáles segue imortal e cada vez mais viva; é assim na resistência de nossa religiosidade negra, em que todas as mães de santo, desde sempre, se somam em força, amor e acolhimento, mantendo viva e inquebrantável uma tradição ancestral, mesmo face às maiores violências. E é assim na luta política negra brasileira, em que junto a Abdias do Nascimento, à própria Lélia, a Beatriz Nascimento, a Milton Santos e tantas e tantos outros, se destaca o professor Ariovaldo de Lima Alves, ícone das Políticas de Ações Afirmativas do Brasil e da própria lei de cotas. Ari que, cabe dizer, gentilmente integra o Conselho Editorial da Revista Calundu.

A história da luta representada por Ari não é nova e não nos cabe aqui repeti-la. Entretanto, não nos furtamos a indicar que nos concerne e machuca o fato de que, mais de 20 anos após ser reprovado por racismo em uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UnB, onde cursou seu doutorado, e esse caso, por emblemático, gerar um processo que culminou em sua posterior aprovação na mesma disciplina e motivou os debates em torno da lei de cotas raciais, Ari retornou ao Departamento de Antropologia da UnB, para uma vez mais, ser atacado pela mesma história. Seu retorno deveria ser um momento de reparação do triste passado e de tudo o que viveu naquele local. No entanto, serviu como rememoração de que o racismo – em todas as suas formas, inclusive a institucional – segue muito forte neste país, em suas universidades e até mesmo em nossa querida UnB. Ari foi atacado pela mesma violência, novamente, no mesmo local.

Como guerreiro encantado que já é, Ari não caiu. Seguiu e segue representando seu povo e, elegantemente, perseverou.

A luta pelas cotas e a vigilância sobre os direitos conquistados pelo povo negro nas universidades seguem ainda mais fortes depois deste novo ataque. A luta contra o racismo – e por um mundo em que ele não exista – segue firme, segue forte, e nossos guerreiros e guerreiras novamente inspirados/as, pelo mesmo Ari.

O Calundu – Grupo de Estudos sobre Religiões Afro-Brasileiras publica aqui esta breve nota, registrando toda a sua solidariedade ao nosso Conselheiro Ari. E republica carta de ex-estudantes do Departamento de Antropologia da UnB, em solidariedade ao Coletivo Hurston – que organizou o evento em que Ari foi novamente atacado – e a estudantes negres do DAN/UnB.

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