“Assentamentos de Resistência” – estudo de uma tese

Adélia Mathias ministrou a nossa a nossa reunião do dia 02/05/2024. A rica discussão se formou em torno da tese “Assentamentos de Resistência: Escritoras e intelectuais do Brasil e Caribe em insurgências epistêmicas”, de Cristian Souza de Sales, mais especificamente a introdução do documento, intitulada “Obi: para assentar palavras iniciais”.

Trata-se de um texto que mergulha na rica história e na significativa contribuição das mulheres negras na produção de conhecimento no Brasil e no Caribe. Sales começa por situar o contexto histórico e social que moldou as experiências das mulheres negras no Brasil e no Caribe. Ele examina as dinâmicas de poder, colonialismo, racismo e sexismo que moldaram as vidas dessas mulheres. Além disso, o autor destaca a importância da epistemologia negra, um campo de estudo que busca resgatar e valorizar os conhecimentos produzidos pelas comunidades negras, muitas vezes marginalizados ou ignorados pelo mainstream acadêmico e como autoras como Miriam Alves, Esmeralda Ribeiro, Conceição Evaristo, Mayra Santos-Febres e Yolanda Arroyo Pizarro enfrentam a marginalização através do resgate da ancestralidade presente na escrita.

Sales destaca a importância do aprendizado transmitido pelas “mais velhas”, mulheres negras dentro do terreiro, que compartilharam conhecimentos tradicionais e práticas espirituais. A narrativa é entrelaçada com referências a elementos simbólicos, como o Obi na religião africana, e a influência dos orixás e divindades africanas em sua vida.

As discussões que surgiram em nosso encontro refletiram como a cultura se manifesta de formas diversas e profundas, permeando desde os rituais até a escrita ancestral. Uma das práticas mais significativas é o ato de alimentar o ori e carregar o alimento que foi levado ao ori, uma forma simbólica de nutrir a conexão com a ancestralidade e fortalecer os laços espirituais.

A escrita ancestral é outra manifestação crucial, representando a transferência de saberes ancestrais para além dos símbolos, enraizando a cultura calunduzeira na história e na memória coletiva. No entanto, foram apontadas algumas dificuldades e problemáticas, como a falta de acessibilidade na literatura do texto de Cristian, o que limita o acesso ao conhecimento para públicos não acadêmicos. 

Aprofundamos a necessidade de explorar o título “assentamento”. Assentamento não é apenas uma representação, mas a presença viva de um santo. É a materialização espiritual que demanda a especificação de elementos rituais dentro do terreiro. A dificuldade de se pensar em um assentamento a partir dos conhecimentos ocidentais euro-orientados foi debatida.

A aprendizagem em terreiros é encarada como uma necessidade de vivência. A série de significados atribuídos ao assentamento reflete as diferentes formas de entendê-lo, destacando sua riqueza e complexidade.

Foi observado uma limitação linguístico-cultural para traduzir para uma língua europeia o significado de uma ancestralidade africana, o que ressalta a importância da troca de aprendizado e ensinamento entre os irmãos do terreiro. Finalmente, foi relembrado a resiliência do conhecimento afrorreligioso e de suas/seus guardiãs/guardiãos, que há séculos seguem resistindo e (re)existindo, mesmo face à ampla violência colonial e colonial-moderna.

Texto escrito por Iara Silva Bidô, sob a supervisão de Guilherme Dantas Nogueira

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