O Calundu – Instituto de Estudos sobre Religiões Afro-Latino-Americanas é o passo seguinte ao da criação do Grupo de Estudos Calundu sobre religiões afro-brasileiras, fundado no ano de 2016.
Idealizado por dois pós-graduandos da Universidade de Brasília, o grupo teve origem nas inquietações e nas angústias de uma mestranda e um doutorando sobre os desafios de lidar, dentro do ambiente acadêmico, com as diferentes epistemes vivenciadas simultaneamente: a universidade ainda eurocentrada, pouco tolerante com outros modos de experienciar o mundo e de compreendê-lo, e a cosmopercepção dos terreiros afrorreligiosos dos quais faziam/fazem parte. Esta, por motivos diversos, mais agregadora e inclusiva. Essas inquietações não têm solução simples, rápida ou fácil, talvez nem precisem ter uma solução. Com efeito, um dos fundamentos iniciais do grupo, para além de ser um espaço de estudos, era o de ser um espaço de acolhida.
Esse espaço, por sua vez, também precisava de apoio. E a Universidade de Brasília, uma das mais progressistas do Brasil, e mais objetivamente o Departamento de Sociologia, especificamente na linha de pesquisa Feminismo, relações de gênero e de raça, co-liderada pela professora doutora Tânia Mara Campos de Almeida, ofereceu esse apoio e possibilitou a criação do então Grupo de Estudos Calundu. Um grupo constituído principalmente por estudantes de pós-graduação da universidade, mas também com integrantes de graduação e pessoas para além da limitação universitária, pois se pretendia desde sua idealização ultrapassar os muros da universidade, uma vez que a realidade dos povos afrorreligiosos não é, por ora, a de pesquisadores/as em universidade.
O modelo grupo de estudos na modalidade de extensão, responsável por ligar a comunidade acadêmica à sociedade civil, atendia a então necessidade de maior aprendizagem coletiva entre seus pesquisadores/as. A atividade inicial mapeada pela equipe foi a de ler coletivamente clássicos sobre religiões afro-brasileiras visando entender como a academia lidava com essas religiões e seu contingente, para, a partir de então, compreender e elaborar melhores trabalhos acadêmicos em diálogo com terreiros, desafiar os saberes postos e, ainda, propor novas maneiras de interação entre afrorreligiosas/os/es e universidade. Tarefas árduas e audaciosas, porém possíveis, se tratadas pela cosmopercepçao inter/trans/multidisciplinar de estudos sobre religiões afro-brasileiras.
Além do estudo coletivo, o grupo de estudos Calundu lançou outras iniciativas e a elas se dedicou com afinco. Dentre outras, a criação da Revista Calundu, primeiro periódico acadêmico totalmente dedicado a publicações sobre a religiosidade afro-latino-americana; a criação de materiais didáticos para apoiar o ensino de história afro-brasileira e indígena em escolas de ensino médio; e a realização de eventos vários, presenciais e on-line, para diálogos sobre questões de interesse sócio-político-acadêmico sobre a afrorreligiosidade, enfocadas em públicos diversos e não necessariamente acadêmicos.
Uma característica basilar do grupo de estudos, herdada pelo Instituto Calundu, é a diversidade de seu corpo integrativo. O grupo começou com apenas uma doutora em Antropologia, pós-graduandas/os e graduanda em distintas áreas dos saberes: Sociologia, Ciência Política, História, Antropologia, Relações Internacionais, Letras, Filosofia, Direito, Arquitetura, eram algumas das áreas de atuação das/os pesquisadoras/es. Esse grupo diverso, hoje Instituto, tem como integrantes fundadores, um professor cubano, Hans Carrillo Guach, além de cinco pesquisador/as brasileiro/as, Adélia Mathias, Andréa Letícia Carvalho Guimarães, Gerlaine Martini, Guilherme Dantas Nogueira e Nathália Vince Esgalha Fernandes. Entre todas essas pessoas, destaca-se a circulação internacional: Alemanha, Estados Unidos, França e México são países por onde circularam enquanto pesquisadoras/es. Todas essas pessoas, cabe dizer, trabalham como voluntárias para o Calundu.
A diversidade também se reflete na prática religiosa da equipe: Candomblé de Angola, Candomblé de Ketu, Umbanda, Tambor de Mina, Ifá-Orixá, Culto Familiar. Todas essas, práticas afrorreligiosas partícipes da vasta religiosidade e cultura afro-latino-americana.
Enquanto coletividade atravessada pelas encruzilhadas das diferenças, o Calundu acredita na possibilidade de lidar com elas sem cair nas armadilhas contemporâneas de ordenar e, consequentemente, atribuir valores maiores ou menores ao que tem apenas a diferença como marcador na vida prática. É apostando nessa constituição de diferentes raças, gêneros, expressões de afetividade, crenças afrorreligiosas, nacionalidades, idades, formações profissionais, trânsitos internacionais, e em como têm sido manejadas essas heterogeneidades, que o Instituto pretende alcançar sua missão.
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Com a conclusão das pesquisas empreendidas pelas/os pós-graduandas/os – o grupo que começou com apenas uma doutora hoje tem cinco doutoras/es e uma mestra em seu núcleo de pessoas mais ativas – e com a dispersão geográfica da equipe, com integrantes residindo em outras cidades e/ou países, o vínculo com a Universidade de Brasília foi se tornando mais frágil.
Para lidar com a nova realidade sem precisar abandonar todo o trabalho já realizado e ainda em andamento, o grupo se reuniu para deliberar as ações futuras. Dessa deliberação foi lançado, em 21 de janeiro de 2023, o Instituto de mesmo nome do grupo, que se responsabiliza por todo o trabalho já realizado e abre possibilidades para novas demandas, parcerias e atuações junto à sociedade civil. O Instituto se trata, posto de maneira prática, de um spin off do anterior grupo de estudos, incubado na Universidade de Brasília.
O Calundu – Instituto de Estudos sobre Religiões Afro-Latino-Americanas se propõe como uma organização não governamental (ONG) capaz de se expandir por meio dos projetos já existentes e realizar projetos outros. De seguir presente e atuante no mundo virtual, bem como propondo e realizando intervenções concretas para além da Internet, por meio de seus projetos. De se organizar de maneira flexível em diferentes locais do planeta, na medida dos deslocamentos de suas/seus integrantes, ao mesmo tempo que possui espaço físico de trabalho, caso necessite. Finalmente, permanecendo potente como think tank em seu campo de atuação, como instrumento de intelectualidade orgânica e como ferramenta na luta contra o racismo religioso.
