Na última reunião do Calundu ocorrida no dia 04 de dezembro, conduzida por Fábia Mônia, foi debatido o artigo “Transgeneridade e Candomblé: Ampliando o Debate”, de Renan da Silva Parreira Gaia e Fábio Scorsolini-Comin. O texto provocou uma série de discussões significativas sobre a relação entre o Candomblé e as questões de gênero, em especial a transfobia e a inclusão de pessoas trans nos terreiros.
Um dos pontos centrais do debate foi sobre a existência de transfobia no Candomblé. Em que pese o fato de ser esta uma religião que preza pelo acolhimento de todas e todos, o texto traz uma reflexão crítica sobre as dinâmicas de gênero dessa religião. Em muitos terreiros, observam-se hierarquias e papéis de gênero que seguem modelos ocidentais e binários. O autor deixa bem claro que escreveu sua obra apartir de um olhar de homem cisgênero, discutindo o tema a partir de um lugar específico, também levantou questões sobre a dificuldade de se compreender a complexidade das práticas religiosas afro-brasileiras sem uma verdadeira imersão nessas tradições.
Fábia Mônia destacou, seguindo ao texto, que em momentos de dúvidas os praticantes do Candomblé buscam orientação diretamente com os orixás, inquices e voduns, questionando e ouvindo suas respostas. Esse processo espiritual, longe de ser uma simples questão de crença, também complexifica a leitura da religião e suas questões de identidade e pertencimento, especialmente no que se refere à transgeneridade.
O texto questiona se o Candomblé, enquanto religião e prática cultural, pode ser considerado um espaço de transfobia. Essa provocação está relacionada ao fato de que o Candomblé se estrutura no Brasil, que é colonizado e reflete visão de mundo marcada pelas hierarquias e normas de gênero ocidentais. Os autores citam Oyeronke Oyewumi, que indica que as tradições africanas não apresentam uma estrutura rígida de gênero como a imposta pela colonização. Ainda assim, é inegável que as práticas afro-brasileiras também podem reproduzir preconceitos originados do sistema de valores ocidentais.
Outro aspecto importante discutido foi a reflexão de que, apesar das problemáticas impostas pelos sistemas de pensamento ocidentais, não se deve desconsiderar a resistência decolonial. A tentativa de desafiar a colonialidade não implica negar a sua existência, mas reconhecê-las e entender como elas se manifestam até hoje, tanto no ocidente quanto nas tradições afro-brasileiras.
Guilherme Dantas trouxe à tona a questão da sexualidade dentro do Candomblé, relembrando a etnografia de Ruth Landes, feita na década de 1930. Mesmo na “Cidade das Mulheres”, masculinidades violentas também se faziam presentes nos terreiros, sobretudo em relação à violência contra a incorporação de homens nos Candomblés nagôs tidos como referência à época. O que nos leva a refletir sobre a forma como a religião lidava – e ainda lida – com essas questões em um contexto de normatividade sexual colonial/moderna.
Por fim, a reunião apontou que apesar de o assunto sobre as transgeneridades ainda constituir um tabu em terreiros de Candomblé, o Calundu desafia os preconceitos e segue um movimento que contribui para a desconstrução de barreiras discriminatórias, seja no que diz respeito à aceitação de pessoas transgêneras nos terreiros ou outras. O grupo se posiciona como parte da vanguarda que busca promover relações humanas mais inclusivas, respeitosas e alinhadas com os princípios de liberdade e igualdade.
Texto escrito por Iara Silva Bidô, sob a supervisão de Guilherme Dantas Nogueira.
