Religiões Afro-Brasileiras e a Resistência Política e Social

No dia 16 de outubro de 2024, realizamos nossa reunião que contou com a condução de Guilherme Dantas Nogueira, em que discutimos o texto “Povo, Tradição, Diáspora, Matriz Africana e Comunidades de Terreiro: contribuições calunduzeiras a um debate aberto em torno das religiões afro-brasileiras” de autoria coletiva do grupo Calundu, escrita em 2023. O texto foi elaborado em um período de transição política no Brasil, em ano eleitoral, quando debates envolvendo questões religiosas estavam no centro das discussões públicas. A conversa proporcionou uma oportunidade valiosa para refletirmos sobre nossas percepções, reafirmando ou reformulando pontos de vista e incorporando novas perspectivas dentro desse debate.

Além disso, tivemos a presença de estudantes do ensino médio, que estão se preparando para o vestibular. A participação desses alunos trouxe contribuições significativas, especialmente em torno das discussões sobre racismo e as influências culturais negligenciadas nas escolas.

Um dos temas centrais abordados foi a tentativa de incluir contribuições indígenas no contexto dos debates acadêmicos e políticos sobre as religiões da diáspora africana. Discutimos a importância de valorizar as influências ameríndias, destacando que, embora o foco das religiões afro-brasileiras seja afro, é essencial reconhecer as contribuições indígenas dentro dessas práticas. As religiões afro-ameríndias são pensadas, principalmente, a partir de uma chave afro, onde as lideranças e estruturas de resistência foram historicamente afrodescendentes, construindo uma “gramática afro”. Contudo, não se pode ignorar a presença indígena nesse cenário, forjada, sobretudo, em relações de solidariedade entre africanas, africanos e suas/seus descendentes e indígenas, conhecedores dos segredos da terra nesta região do planeta. Esses povos dividiram cativeiro e a sina da escravidão no Brasil, e se apoiaram em sua luta por liberdade.

Outro ponto importante foi o debate sobre o termo “matriz africana” e suas implicações. O que significa, afinal, uma matriz? Se utilizada como origem, sugere que a origem de religiões afro-diaspóricas seria apenas africana, o que apaga influências importantes da diáspora, como a resistência negra, a organização e inteligência política de mulheres negras, as relações afro-ameríndias, etc. 

Refletimos sobre a presença de elementos brasileiros e a complexidade por trás do uso do termo “tradição” pelo Estado e pelas comunidades religiosas. Enquanto o Estado – que é racista – tende a entender “tradição” como o oposto do moderno, as comunidades também utilizam o termo para justificar práticas dentro dos terreiros. A tradição, nesse contexto, é um conceito multifacetado — ao mesmo tempo que resgata valores ancestrais, também carrega problemáticas que se perpetuam ao longo do tempo.

O racismo científico também foi um tema central da discussão. Esse termo, que surgiu na virada do século XIX para o XX, descreve um conjunto de ideias pseudocientíficas que usam métodos científicos para justificar a hierarquização racial. Foi discutido como esse tipo de racismo impactou a sociedade, animalizando e apartando corpos, especialmente os de pessoas negras e indígenas. Os estudantes trouxeram reflexões sobre a maneira como o racismo científico contribuiu para a marginalização e a negação das culturas afro e indígenas, algo que persiste até hoje, inclusive na falta de conteúdos sobre essas questões na formação escolar.

A estudante secundarista Yara, em particular, contribuiu com reflexões sobre o racismo científico e sua perpetuação por intelectuais como Nina Rodrigues, cujas ideias reforçavam a hierarquia racial e o preconceito em suas obras. Reforçamos, assim, que o Calundu valoriza tanto a história do povo preto africano quanto a do povo indígena, reconhecendo a importância dessas heranças culturais para a construção da identidade brasileira.

Uma reflexão marcante da reunião foi a afirmação de que não há herança negra no Brasil que não seja uma herança feminina. Embora houvesse uma presença significativa de homens escravizados, a taxa de letalidade a que estavam submetidos com o trabalho forçado era alta — a expectativa de vida média de um homem negro recém-chegado ao Brasil era de apenas sete anos. Essa realidade histórica nos leva a reconhecer a centralidade das mulheres negras, tanto no passado quanto no presente, como lideranças de resistência e transmissão de conhecimento.

Por fim, discutimos a ideia de comunidade, que se constrói através de crenças compartilhadas e também como uma forma de resistência política e social. Historicamente, essas comunidades foram estruturadas em torno de lideranças femininas, que desempenharam papéis fundamentais na preservação e transmissão de saberes e valores dentro das religiões de matriz africana e das culturas afro-indígenas.

Texto escrito por Iara Silva Bidô, sob a supervisão de Guilherme Dantas Nogueira

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