Kamilla Cardoso ministrou a nossa a nossa reunião do dia 15/09/2024. A rica discussão se formou em torno da tese “O fenômeno do racismo religioso: Desafios para os povos tradicionais de matrizes africanas” do autor Wanderson Flor do Nascimento.
Kamilla trouxe levantamentos que geraram discussões em torno de como os terreiros e os espaços públicos no Brasil, de modo geral, são constrangidos por uma lógica que se sustenta pela desvalorização e inferiorização dos símbolos e rituais das religiões de matriz africana. Esse exercício de poder colonial moderno impõe uma visão ocidentalizada, fazendo com que aquelas pessoas e coletivos que estão fora desse padrão, especialmente os praticantes das religiões da diáspora africana, sejam forçados a se adequar aos modelos ocidentais. A demonização dessas crenças se baseia no racismo religioso, em que as raízes negras das religiões afro-diaspóricas são estigmatizadas, violentadas.
Foi levantado o destaque de que no contexto afro, o termo “religião” não é empregado da mesma forma que no Ocidente. A espiritualidade afro está imbricada em todas as camadas sociais e decisões políticas, sendo, portanto, um modo de vida e uma forma de enxergar o mundo. Atacar essas práticas e crenças representa um ataque à base identitária e ao sentimento de pertencimento das populações negras, marginalizando-as e contribuindo para a perpetuação da exclusão social.
Dessa forma, o racismo religioso que incide sobre as religiões da diáspora africana é uma herança direta do processo violento de colonização. A desumanização e subjugação dessas práticas espirituais fazem parte de um projeto colonial que buscava, e ainda busca, desarticular as estruturas culturais e identitárias das populações negras, perpetuando sua marginalização no contexto social e político contemporâneo.
O conceito de racismo religioso, como pontua Wanderson Flor do Nascimento, surge em 2009, a partir de reunião convocada pelo ogan Nilo Sérgio Nogueira, Conselheiro do Instituto Calundu, então Assessor Técnico da Secretaria de Políticas de Igualdade Racial da Presidência da República (atual Ministério da Igualdade Racial). Dessa reunião participaram o próprio Wanderson e nossas saudosas ancestrais Makota Valdina e Mãe Beata de Iemanjá. Foram essas mulheres de terreiro que pela primeira vez chamaram atenção para o termo racismo religioso, em oposição à noção de intolerância religiosa
Como comentário final, nota-se ter sido lembrado na reunião que o conceito de racismo religioso se qualifica academicamente em debates também potencializados pelo grupo de estudos Calundu. O primeiro trabalho acadêmico que traz o termo foi o TCC de graduação em pedagogia de Claudilene Santos Lima, de 2012 (Universidade Estadual da Paraíba), anterior ao Calundu. Já o segundo trabalho, referência no debate, é o artigo científico publicado na Revista Calundu, em 2016, por Nathália Vince Esgalha Fernandes, integrante fundadora do Instituto Calundu. E em 2017, Ariadne Moreira Basílio de Oliveira, fundadora do grupo de estudos Calundu, defendeu sua dissertação de mestrado, categorizando o racismo religioso. Ambos o trabalho de Nathália e Ariadne se beneficiaram de debates neste grupo de estudos – este é, finalmente, o objetivo de um grupo como o nosso.
Texto escrito por Iara Silva Bidô, sob a supervisão de Guilherme Dantas Nogueira
